terça-feira, 1 de junho de 2010

Poetas do tempo da República


Florbela Espanca



Nasceu em Vila Viçosa a 8 de Dezembro de 1894. Filha de João Maria Espanca e de Antónia da Conceição Lobo. Estudou no liceu de Évora, mas só depois do seu casamento, em 1913, com Alberto Moutinho. Concluiu, em 1917, a secção de Letras do Curso dos Liceus. Em Outubro desse mesmo ano matriculou-se na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Na capital, contactou com outros poetas da época e com o grupo de mulheres escritoras que então procuravam impor-se. Colaborou em jornais e revistas, entre os quais o Portugal Feminino. Em 1919 publicou a sua primeira obra poética, Livro de Mágoas. Em 1921, divorciou-se de Alberto Moutinho, e voltou a casar, no Porto, com o oficial de artilharia António Guimarães. Em 1923, publicou o Livro de Sóror Saudade. Em 1925, Florbela casou-se, pela terceira vez, com o médico Mário Laje, em Matosinhos. Os casamentos falhados, assim como as desilusões amorosas e a morte do irmão, Apeles Espanca num acidente com o avião que tripulava sobre o rio Tejo, em 1927, marcaram profundamente a sua vida e obra. Em Dezembro de 1930, agravados os problemas de saúde, sobretudo de ordem psicológica, Florbela morreu em Matosinhos, tendo sido apresentada como causa da morte um «edema pulmonar».
Postumamente foram publicadas as obras Charneca em Flor (1930), Cartas de Florbela Espanca, por Guido Battelli (1930), Juvenília (1930), As Marcas do Destino (1931, contos), Cartas de Florbela Espanca, por Azinhal Botelho e José Emídio Amaro (1949) e Diário do Último Ano Seguido De Um Poema Sem Título, com prefácio de Natália Correia (1981). O livro de contos Dominó Preto ou Dominó Negro publicado em 1982.
A poesia de Florbela caracteriza-se pela recorrência dos temas do sofrimento, da solidão, do desencanto, aliados a uma imensa ternura e a um desejo de felicidade e perfeição que só poderão ser alcançados no infinito. A intensidade passional da sua linguagem, marcadamente pessoal, centrada nas suas próprias frustrações e anseios, é de um sensualismo muitas vezes erótico. Florbela Espanca não se ligou claramente a qualquer movimento literário. Está mais perto do neo-romantismo e de certos poetas de fim-de-século, portugueses e estrangeiros, que da revolução dos modernistas. Pelo carácter sentimental, da sua poesia, segue a linha de António Nobre, facto reconhecido pela poetisa. Por outro lado, a técnica do soneto, que a celebrizou é influência de Antero de Quental e de Camões.

POEMA

Se tu viesses ver-me...


Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizina
E me prendesses toda nos teus braços...

Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca... o eco dos teus passos...
O teu riso de fonte... os teus abraços...
Os teus beijos... a tua mão na minha...

Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri

E é como um cravo ao sol a minha boca...
Quando os olhos se me cerram de desejo...
E os meus braços se estendem para ti...

José Gomes Ferreira




Nascido no Porto, José Gomes Ferreira muda-se com quatro anos para Lisboa onde se inicia nos poetas saudosistas. Dirige, muito novo, a revista "Ressurreição", onde chega a colaborar com Fernando Pessoa num soneto. Dedica-se também à música, com composições musicais como o poema sinfónico "Idílio Rústico".Por influência do pai (democrata republicano), cedo ganhou consciência política e alista-se em 1919, acabado o treino militar em Tancos, no Batalhão Académico Republicano (já era também sócio da Liga da Mocidade Republicana). Licencia-se em Direito em 1924, trabalhando depois como Cônsul na Noruega. Regressando em 1930, dedica-se ao jornalismo. Inicia-se na poesia com o poema "Viver sempre também cansa", escrito a 8/5/1931, e só em 1948 começa a publicação séria do seu trabalho, nomeadamente com "Poesia I" e com a colaboração na "Homenagem Poética a Gomes Leal". Contando já com vasta obra publicada, em prosa e em verso, ganha em 1961 o "Grande Prémio da Poesia" da Sociedade Portuguesa de Escritores. Colabora com outros poetas neo-realistas num álbum de canções revolucionárias compostas por Fernando Lopes Graça, com a sua canção "Não fiques para trás, ó companheiro".
Foi presidente da Associação Portuguesa de Escritores em 25/4/78. Submetido a uma delicada intervenção cirúrgica em 1983 (ano em que é homenageado pela Sociedade Portuguesa de Autores), José Gomes Ferreira, viria a falecer dois anos depois, vítima de uma prolongada doença que o impossibilitava de se levantar da cama.



POEMA

Quero voar
-mas saem da lama
garras de chão
que me prendem os tornozelos.

Quero morrer
-mas descem das nuvens
braços de angústia
que me seguram pelos cabelos.

E assim suspenso
no clamor da tempestade
como um saco de problemas
-tapo os olhos com as lágrimas
para não ver as algemas...






José Régio




Nasceu em Vila do Conde a 1901. Era pseudónimo de José Maria dos Reis Pereira, publicou, em Vila do Conde, nos jornais O Democrático e República, os seus primeiros versos. Aos 18 anos, foi para Coimbra, onde se licenciou em Filologia Românica (1925). Com Branquinho da Fonseca e João Gaspar Simões fundou, em 1927, a revista Presença. No mesmo ano iniciou a sua vida profissional como professor de liceu, primeiro no Porto (apenas alguns meses) e, a partir de 1928, em Portalegre, onde permaneceu mais de trinta anos. Só em 1967 regressou a Vila do Conde, onde morreu dois anos mais tarde. Participou activamente na vida pública, fazendo parte da comissão concelhia de Vila do Conde do Movimento e Unidade. Como escritor, José Régio dedicou-se ao romance, ao teatro, à poesia e ao ensaio. Centrais, na sua obra, são as problemáticas do conflito entre Deus e o Homem, o indivíduo e a sociedade. A sua poesia, de grande tensão lírica e dramática, apresenta-se frequentemente como uma espécie de diálogo entre níveis diferentes da consciência. Estreou-se, em 1926, com o volume de poesia Poemas de Deus e do Diabo. É considerado, por alguns, como um dos vultos mais significativos da moderna literatura portuguesa. Recebeu, em 1961, o prémio Diário de Notícias e, postumamente, em 1970, o Prémio Nacional de Poesia, pelo conjunto da sua obra poética. As suas casas de Vila do Conde e de Portalegre são hoje museus.

POEMA


Soneto de amor

Não me peças palavras, nem baladas,
Nem expressões, nem alma...Abre-me o seio,
Deixa cair as pálpebras pesadas,
E entre os seios me apertes sem receio.

Na tua boca sob a minha, ao meio,
Nossas línguas se busquem, desvairadas...
E que os meus flancos nus vibrem no enleio
Das tuas pernas ágeis e delgadas.

E em duas bocas uma língua..., - unidos,
Nós trocaremos beijos e gemidos,
Sentindo o nosso sangue misturar-se.

Depois... - abre os teus olhos, minha amada!
Enterra-os bem nos meus; não digas nada...
Deixa a Vida exprimir-se sem disfarce!

Sem comentários:

Enviar um comentário